quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Páginas da vida

É comum nos defrontarmos com a questão rotineira da passagem cronológica do tempo. Será que ele realmente caminha na mesma direção de nossos sonhos? E, se o faz, por que parece escapar de nossas mãos com tanta facilidade?

Certamente, o tempo externo não se configura da mesma maneira que o tempo que passa dentro de nós. Dessa forma, que despertem aqueles que dizem ser o tempo algo estável, inabalável e perfeitamente linear.

Pode-se começar falando da ordem “infância – adolescência – vida adulta”. Sabemos o quanto, por uma longa fase, buscamos permanecer crianças, sem querer adentrar o mundo dos questionamentos adolescentes. Temos consciência, também, do quanto ser adulto é algo assustador e, portanto, desejamos fortemente nos manter na velha e querida casa dos quinze anos.

Em contrapartida, uma criança quase sempre anseia em se tornar adulta, por vezes até querendo ultrapassar a adolescência. E o adulto, por sua vez, não mede esforços para voltar à época em que não se precisava sair com a carteira no bolso, nem com a chave do carro (ainda que estes sejam sinais de liberdade – até que ponto se é realmente livre?)…

A criança absorve a essência de todas as coisas, pois não possui um histórico que a contamine. É certo que existe a experiência da gravidez e do parto, mas eles são acalento e surpresa que se manifestarão mais tarde, na vida adulta. Se há o cheiro de uma flor, a criança vive e representa essa fragrância como parte de seu ser. Não há nada mais inteiro do que sua presença, pois ela é completa para o mundo.

Um adolescente não só anseia por responsabilidades, mas sim busca desvendar que preço terá que pagar por cada uma delas. Ele deseja desenhar as páginas de sua vida com as cores mais desafiadoras, sem medo de desaprovações ou surpresas desagradáveis. Afinal, ele não imagina e não quer imaginar o quanto tais coisas podem doer. E, falando em dor, quem consegue passar sem ela? Não há por que se preocupar, pois um dia ele a sentirá.

Um adulto não deseja uma simples bala de goma, mas sim palavras doces que o façam reacender o encantamento pelo caminhar. Ele não deseja palhaços, pois por vezes vê a si próprio vestindo inúmeras máscaras para sobreviver. Ele não busca o sorriso constante, pois sabe a importância das lágrimas para lubrificar a alma.

Há um momento decisivo em que o adolescente presente em nós dialoga com a criança que passou, buscando acalmá-la e dizer que a vida faz realmente um pouco de sentido. Há um outro instante ainda mais forte, em que a velhice conversa com a adolescência e se questiona até que ponto as coisas valeram a pena. São horas difíceis, mas talvez as mais lúcidas e sábias que poderemos vivenciar ao longo do percurso…

O diálogo entre esses três aspectos ou capítulos da vida se dá, muitas vezes, sem que possamos perceber. Privilegiados os que observam e podem interagir em suas descobertas! É aí que está o segredo do tempo: ele é intenso quando se quer voltar atrás para viver o que não se pôde viver, ou quando se deseja ultrapassar barreiras para viver o futuro.

Mas, o tempo em sua forma mais plena é o presente. O momento presente é vital para o encontro de todas as facetas que nossas vidas possam apresentar. Afinal, não somos um personagem ou outro: tornamo-nos artistas a cada novo piscar de olhos.

É preciso haver a dúvida para se sentir o passar do tempo, pois ele acontece particularmente nos traços de nossa história pessoal. Ele não é o mesmo para todos, e nunca será, pois nos tornamos senhores de nosso tempo quando sabemos quanta areia se moveu para solucionar conflitos, acalmar angústias e, enfim, celebrar as alegrias.

Entre tempos longos e curtos, escrevemos nas páginas da vida.

E o mais belo de tudo é, em determinado momento, podermos voltar atrás para corrigir o que passou… o que escorreu de nossas mãos no momento em que piscamos os olhos.

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